Já há algumas horas que olhava para ela. De manha cedo tínhamo-nos cruzado na papelaria onde fiquei a saber que se chamava Clara pelo tom metediço da funcionária que parecia ter um orgulho especial em saber da vida alheia.
Sentada na espreguiçadeira confesso que por instantes me senti a D. Matilde, curiosa e ávida de saber os detalhes íntimos da vida de Clara.
A forma como ela apanhava sol naquela enorme toalha lembrava-me qualquer coisa, sugestionava-me lembranças antigas e não pude evitar um arrepio momentâneo ao compreender inexplicavelmente aquele virar constante de troca de posição, aquela agitação inevitável própria duma falta de serenidade evidente!
De repente clara levanta-se. O olhar dela fica preso no mar que esta à sua frente e durante alguns minutos pressinto o que lhe vai pela cabeça.
Enquanto ali estamos as duas, perdidas em pensamentos e mágoas, lembrando liberdades esvoaçantes, nem nos apercebemos que alguém chega com o intuito de partilhar aquele horizonte que transporta o ser humano para devaneios perdidos.
Eu sou a primeira a intui-lo. Clara esta mais absorta que nunca.
Ele caminha devagar. Adivinho-lhe o nome mas de tão meu que o sinto não o consigo sequer adulterar agora!
Clara suspira conformada e volta-se para regressar à toalha.
Estarreço quando os seus corpos chocam. Não há dúvida que se conhecem!
O momento transpira intensidade. O calor acumulado pelo sol no corpo de Clara mistura-se com o odor que ele carrega e esta amálgama de ingredientes salpica-me os sentidos emocionando-me mais do que seria plausível.
Cumprimentam-se de forma perturbada, oiço-lhes as vozes embargadas, percebo a tentação dum beijo controlada, conheço de cor os gestos que fazem parte dum amor proibido, duma paixão sem fim, dum querer irracional!
O abraço que se segue faz-me doer a alma, o beijo que dão prende-me a respiração, o momento que o destino lhes proporcionou causa-me a angústia da cobiça, o pesar da privação que a mim me coube. Perante o insuportável que é estar ali…fujo para longe!
Nos dias que se seguem cruzo-me varias vezes com clara e o seu amor. Desfilam por mim sem piedade num encaixe perfeito, numa sintonia rara, numa paz comovente!
No entanto não sossego por eles. Auguro sempre que os vejo entrelaçados numa felicidade temporária, uma opção consciente de quem escolheu ignorar o passado, de quem preteriu um futuro incerto por um presente pleno de entendimento!
Alguns anos depois numa coincidência irrelevante Clara entra na minha vida. Numa conversa íntima e longa acabo por lhe contar o que presenciei e curiosa pergunto-lhe que é feito dele. Ela sorri nostálgica e responde com outra pergunta.
Nunca mais souberam dele…