“Desde que se separaram a vida de Clara mudou. Sem se aperceber procurava a solidão vertiginosamente e até de forma um pouco assustadora!
Habituara-se ao silêncio e rotineiramente dirigia-se a uma praia específica para consumir aquela brisa e verter sem temor lágrimas acumuladas!
Caminhava sempre agasalhada, tanto de Inverno como de Verão já não conseguia dispensar um agasalho nos ombros porque a saudade lhe deixara entranhado um arrepio constante.
Inexplicavelmente Clara tinha desenvolvido uma espécie de vício, quase uma doença que o médico tinha intitulado de síndrome do desgosto e era quase sempre nessas suas contemplações solitárias que se sentia inundada de mágoa e sem querer despoletava as crises. Começava por vomitar convulsivamente até se sentir esgotada e quando por fim conseguia sossegar o estômago sabia que tinha exactamente 30 segundos para tomar um calmante antes que se iniciasse o choro convulsivo acompanhado de tremores descontrolados e faltas de ar desconcertantes! Nada disto a apanhava já de surpresa, estava instruída para tentar aproveitar o intervalo da sua “doença” para se medicar e controlar da melhor forma possível a segunda fase de forma a não descambar enquanto o comprimido não fazia efeito!
Nas vezes que isto acontecia Clara seguia sempre até à esplanada mais próxima para beber uma agua…e ali permanecia de olhar vazio porque o pensamento escapava-se de mãos dadas com a razão e restava-lhe a companhia do sentir. Sentia coisas diferentes, umas vezes sentia carinhos perdidos, afectos doces, sussurros vaporosos. Noutras alturas o sentir intensificava-se e a presença dele era inequívoca e resistente. Mesmo esforçando-se pelo contrario não evitava um estremecimento involuntário desperto pela sensação daqueles dedos na sua intimidade, um reflexo instintivo de prazer com a inalação do seu perfume e até um ligeiro contrair do corpo com a perspectiva dum frente a frente futuro!
Curiosamente nem sempre tinha sido assim a sua reacção ao afastamento. No primeiro ano resistiu, enfrentou com maturidade o que considerou como fatal e, corajosa respirou fundo decidida a viver sem ele. O tempo passou e a distancia não lhe trouxe a serenidade previsível, a paz ambicionada! À medida que os dias corriam algo definhava sem domínio, alguma coisa secava as suas emoções sem controlo e a sua vivacidade outrora resplandecente esbatia-se a olhos vistos.
Hoje Clara era metade do que fora…vagueava sem brilho numa existência conformada, percorria absorta pelos dias de forma ritmada e enfadada, cedia por fim a uma dor teimosa que nunca conseguiu aniquilar.”